Sunday, April 21, 2024

Foi Massa!, 2

Introito

O sábado passado começou com dona Lu(ciana) atiçando para inaugurarmos sua adega e espaço VIP, comigo dizendo Sim, sim... enquanto torcia para melhorar de minha condição clínica tocada a alguns medicamentos ingeridos na tarde do dia anterior. Liu, Mário e Edu Viagens (rs) já haviam confirmado presença e eu na sinuca de bico. Melhorei à tarde e, mesmo sem estar 100%, resolvi descontar; algum vinhobão pegaria a conta. A Lu estava de viagem marcada na terça, e senti a ansiedade em suas palavras digitadas (sic) no uátizzapi: 19:30. Risos! Na foto, a Liu em primeiro plano, junto deste Enochato. Atrás, a partir da esquerda, o Mário de joelhos, a Lu em cima da cadeira e o Eduardo em pé 🤣. Vou então recobrar a introdução da última postagem, acerca das supostas mentiras contadas por este escriba. É clara brincadeira quando digo mentir, inventar ou aumentar os relatos aqui no blog. São todos eles absolutamente rigorosos, honestos e verdadeiros, como este, narrando a dancinha alegre de Don Flavitxo. Ou este e este, narrando degustações de vinhos antigos, oxidados. Assim, para proporcionar aos confrades uma experiência diferente e reafirmar honestidade intelectual da publicação - como se fosse preciso -, resolvi escolher um vinho que pudesse estar parcialmente oxidado.

O espaço da Luciana já era aconchegante. Ficou mais: uma mesona feita para acomodar tranquilamente 12 pessoas, cadeiras confortáveis e cozinha remodelada. Como diriam, chique no úrtimo. Nesse clima o Eduardo compareceu com vinho da Capadócia, produzido pela vinícola Kocabağ, o Misli Öküzgözü-Boğazkere 2020(?). Misli é o nome do vinho; Öküzgözü é uma cepa nativa da Turquia com características frequentemente comparadas às da Pinot Noir, e muitas vezes cortada justamente com a Boğazkere, outra capa turca, muito tânica - a tradução de seu nome significa queimador de gargantas, e por isso pode ter similaridade com a Tannat. Ao contrário desse terrorismo todo, encontramos um vinho leve, corpo médio e olha lá, com muita fruta no nariz e repetindo-se na boca; taninos discretos, já arredondados, acidez deixando um pouco a desejar, nem tão ligeiro nem tão marcado. Um vinho com certa simplicidade, mas onde narizes melhores provavelmente tirariam melhor proveito - o meu anda um tanto ruim. Seu preço segundo o Edu estaria em uns R$ 85,00. 

Depois de viajar para a Argentina, agora a Liu tenta acabar com as maldições trazidas de lá (rs). Brindou-nos com o D.V. Catena Cabernet-Malbec 2021, enquanto a Lu (também participante da viagem coordenada pelo Eduardo) ainda guarda seus medalhões para beber em melhor companhia. O corte é meio a meio, e o vinho passa por 16 meses em madeira numa combinação não linear (sic) de barricas francesas (novas ou não) e americanas. Não entendo esse tratamento para um vinho relativamente simples. Tinha fruta bem evidente e, sendo sincero, ao contrário de um Catena provado anteriormente não estava na goiaba enjoativa; não sei se é questão de safra ou se esse exemplar, mais envelhecido, arredondou com o tempo. Sim, estava melhor equilibrado, apesar da acidez baixa colaborar com a boca ligeira, mas é o que temos para nosso pobre terroir latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, e vindo do interior... Mas o que tem basta para alguns avaliadores concederem-lhe 93 pontos, embora este Enochato atribua-lhe 83. Convenhamos, é uma nota digna. O Misli, pelo equilíbrio e acidez ligeiramente melhor, levaria seus 85. Aportei às cegas um Amarone Classico 1998 do Allegrini. Esperava fruta mais fresca, mas não encontrei e deixei rolar para ouvir os comentários. O Mário achou estranho, mas sem agredir. Perguntei se ele notava toques de frutas secas, ele disse que sim. De repente a Liu comenta: Couro, bem evidente - um dos sinais de vinho oxidado. Imaginava - somente da minha cabeça - que um Amarone de bom produtor pudesse manter parte da fruta em 20 anos, mas se ela estava lá, não consegui pegar. Tinha uma oxidação equilibrada, sem agredir conforme o Mário repetiu em algum momento, acidez quase média, corpo médio e álcool equilibrado. A persistência não impressionou, e a massa - lasanha prepara pela Lu - não foi um par tão bom, conquanto eles não tenham ido em direções contrárias. Com seus 15% de álcool, se tivesse mantido mais fruta fresca, talvez combinasse melhor. Preciso contar com a indulgência dos confrades para encaixar essa brincadeira na linha de Vino Oxidado, e não em Amarone. E, claro, oferecer-lhes um Amarone mais novo para introduzi-los ao conceito desse vinho. Não tenho outro Allegrini; espero que se satisfaçam com um humilde Tommasi...

Como brincadeira final, balancei o último teco de bebida que restara na garrafa e virei de uma vez em minha taça. Estava lá a borra - já falei sobre ela, aqui. A Luciana providenciou um pão, e todos experimentaram. Houve quem gostou, quem não se pronunciou e quem disse não agrediu (risos!). Eu não havia avisado, e o pão disponível tinha casca macia. Penso se ficaria melhor em um pão italiano, daqueles com casca grossa. De qualquer maneira - espero terem sido todos sinceros - a experiência foi considerada interessante, e dessa maneira este Enochato saiu convencido de ter prestado mais um relevante e inestimável serviço para a humanidade, iluminando com seus magníficos conhecimentos ao menos uma parte dela. Nunca é demais repetir: a borra constitui-se em pequena parte de alguns vinhos, e desprezá-la sem dar-lhe ao menos uma chance pode ser um desperdício. Tente, se tiver oportunidade. Afinal, o bom bebedor deve estar aberto a provar não apenas os mais diferentes vinhos como também aproveitar as dicas que vão surgindo no meio de seu caminho. Com relação à ultima postagem, agradeço ao Roger a paciência em discutir uma concordância capciosa proposta pela minha genialidade sem limites, turbinada a umas boas talagadas de uísque, quase à meia-noite, minutos antes de sua publicação.

A Liu insistiu ter pago cerca de R$ 80,00 pelo D.V. Catena, na Bodega. Não duvido. Mas encontrei oferta dele mais em conta na Argentina: R$ 52,00. Pergunta: se a loja na Argentina vende a R$ 52,00, por quanto sai da Bodega? Sei que aqui ele custa... R$ 230,00. 



Tungas (pobre consumidor)

   Como o leitor deve suspeitar, assino diversos negociantes de vinhos brasio afora. Estes dias recebi uma oferta aparentemente inebriante:


   Veja o sublinhado: 30 dólas lá fora. Isso dá, nada nada, convertendo pelo oficial, sem IOF, R$ 156,00. Olhando o sítio do produtor, confirmamos o valor: 


   Mas olhando no comércio em geral (de 'lá', claro...)


Menos de 20 dólas! Novamente, a pergunta: se no varejo de 'lá' está 20tão, por quanto saiu do produtor? É sobre esse valor que nossos ousados importadores pagarão os escorchantes impostos incidentes em todas as nossas importações. E neguinho tem o atrevimento de cobrar 4x assim, sem mais? Conta de padeiro - até ligeiramente desonesta - se saiu por USD 10,00, pelo mesmo câmbio dá... R$ 52,00! A VinGarde Valise é uma loja com boas ofertas, mas isso não é o bastante. Oferecer um produto superestimando seu valor lá fora é um erro para lá de grosseiro. Fazer o dever de casa é o mínimo que se espera de um bom vendedor. Porque o risco de passar por picareta - mesmo sem merecê-lo! - é grande. E, como enfatizado aqui com frequência, caro consumidor, não confie em seu político lojista predileto! Jamais! Wine Searcher nele! O vinho está mais de 2x? Pague 3x numa cimitarra. E use-a, claro! 🤣 O fio - garantem - dá para 1.000 cortes de cabeças.

   A tragédia, por óbvio, não para por aí. O Honorável Consumidor é atraído para uma semana de ofertas dedicadas à sua nobre pessoa, com descontos de (ate!) 35%. 


Claro, é anunciado em de maneira geral como 'Descontos de 35%' ...

mas quando vamos olhar parte deles está em 20%... 

   E tudo vai ficando pior: o consumidor talvez fique inicialmente satisfeito com o descontão de 35%

   Só que a naba (sic! rs!) repete-se:

convertendo, R$ 101,00! Ou seja, de 5,75x sem desconto fica na 'promo' apenas 3,75x! Feliz cliente desavisado, comprou sem consultar o Wine Searcher? Os acionistas da importadora levantam-se em salva de palmas pelo seu desapego ao dinheiro... Até qualquer hora...

Monday, April 15, 2024

Foi massa!

Introito

Alguma parte dos leitores são amigos(as) próximos(as) de confrarias diversas e com as quais tenho a felicidade de compartilhar vinhos, alegrias e risadas. Preferem enviar mensagens diretamente, em vez de comentar no blog. Não é raro receber comentários sobre ter inventado estórias demais ou ter contado muitas mentiras em alguma postagem. É verdade, invento e minto mesmo, principalmente sobre os vinhos(!), mas não adianta reclamar; precisa estar atento e apontar o erro; senão, a mentira fica pela verdade... A respeito da postagem passada, alguém protestou pela invencionice da estória do Raul entrar no palco tropeçando e se enrolando com a bandoleira da guitarra. Bom... vejam só a coincidência: na época não conhecia a Ariane, mas parece que estávamos no mesmo lugar e se presenciamos a cena foi por ângulos diferentes. Então, aconteceu sim! Pena ter perdido o contato do Caio Braga, um dos malucos - em show do Raul? Tudo a ver! - que a certa altura começaram a invadir o palco pela borda e a dado momento lançaram-se sobre o cantor para abraçá-lo com o entusiasmo típico dos grandes fãs, decretando o final prematuro do espetáculo. Lembranças felizes são o que de mais doce uma pessoa pode guardar...

Sexta-feira

Havia marcado com a Liu, o Mário e quem mais viesse (rs) um encontro para sexta-feira. A Lu(ciana) tinha relatórios para entregar; a Débora não conseguiu desvencilhar-se de outros compromissos. Quem veio, bebeu. Mas lembrava-me mesmo de comentário da Liu sobre sua curiosidade com australianos. Vinhos, bem entendidos. Artimanhosamente (rs), saquei meu Vasse Felix Cabernet-Merlot 2011, oriundo de Margaret River e possivelmente produto de entrada do ótimo produtor. Temeroso de não estar bom - cantei a possibilidade antes - servi um tanto na taça logo ao abri-lo e... a fruta tão evidente convidou-me a servir um dedinho para cada confrade, à temperatura ambiente mesmo. O Mário falou do álcool aparente - má qué o quê, Marinho?! Abri e servi! (rs!) - e ainda assim Vasse Felix aportava fruta rica e complexa, diria vermelha e negra. Após a garra resfriar, voltei a servir. Sem o excesso de álcool inicial - 14,5% muito bem integrados quando a temperatura chegou no ponto de serviço, mostrou muita elegância. O nariz tinha mais complexidade, e a boca aportou taninos maduros, aveludados, corpo médio, acidez bem presente, e boa permanência. Estava ótimo. Recomendaria com ênfase, não estivesse nas mãos de importadora tubarona - é um vinho de menos de USD 20,00 lá fora, ao custo de R$ 350,00+ aqui (está esgotado, mas o Shiraz é da mesma categoria e custa isso). De suas viagens aos Andes, a Liu apresentou-nos o Polígonos del Vale del Uco San Pablo Malbec 2020 do também bom produtor sul-americano - para nossos padrões -, a Zuccardi. Bebi muitos exemplares dela no passado, quando aparentemente tinha uma linha mais simples; experimentei várias garrafas do 'Q' e uma do 'Z', dos quais gostei. Este Poligonos tinha menos fruta no nariz, se comparado ao Vasse Felix; por outro lado um bom nariz poderia tirar mais coisa de lá.  A Liu mencionou alguma nota, não anotei. Não identificaria muito com Malbec, mas tenho bebido poucos argentinos bons nos últimos anos, e talvez apenas me desacostumei com o estilo. Tem bom equilíbrio - seus 13,5% de álcool não aparecem - não notei madeira, acidez presente - sem fazer os olhos lacrimejarem de emoção - a fruta do nariz repete-se na boca, e não é tão ligeiro. Bem razoável pelo conjunto, mas seu preço espanta: R$ 350,00, contra cerca de R$ 115,00 'lá'. Novamente, 3x; outra tubaronice. Cadê o tal do Mercosul? A nota engraçada - veja no sítio do produtor - fica por conta de dois vinhos com nota 100 na safra 2019: os Finca Piedra Infinita Gravascal e Supercal. Encontrei o primeiro na faixa de R$ 3.060,00, e nem era da safra agraciada com a pontuação máxima. Consumidor otário, compre mesmo! Deixe para mim os Xatenefinhos lá do estrangeiro por menos de USD 100,00... quando puder ir 'para lá', compro algumas garrafas... e vai ter para mim, uma vez que os tontos comprarão Pedra Infinita com minha aprovação e bênção! E vem cá (batendo palmas): Uou, os avaliadores estão acabando (já acabaram, a bem da verdade) com o sistema de pontuação. Qualquer nojeira agora 'ganha' 100 pontos. Farei a Escala Enochática! Só preciso lembrar-me de passar a pontuar os vinhos. Pizza - massa - foi o acompanhamento principal da noite, e conversou bem com o Vasse Felix. Massa também foi o menu o sábado, mas é outra estória.

O Mário apresentou seu Primus Carménère 2014, um monovarietal cujo rótulo deve ter mudado nas safras mais recentes - ou este Enochato está prestes a cometer outro erro grosseiro em sua ridícula trajetória.  Na safra '14 há a indicação de Colchagua Valley como procedência, enquanto o rótulo de safras mais recentes indicam a procedência como Apalta. Bem, Apalta fica no Vale do Colchagua, então para mim trata-se do vinho pesquisado para comparação de preços. Seu contrarrótulo indica notas de chocolate amargo, ameixas e pimenta preta - nessa ordem! - aveludado e final longo. Por partes... para mim, a pimenta - tabasco, na verdade - veio não apenas em primeiro, mas sozinha (risos!). Aveludado? Chama o Vasse (rs) e vamos comparar... O final é longo porque a pimenta não sai da boca nem lavando-a com creolina!, e o 'macio' não sei de onde tiraram. Primus é um Carménère típico, com tabasco de entrada e saída, acidez baixa e sem muito diferencial com similares na faixa de preço. Provei algum no níver do Nagibin, talvez não tenha postado, na faixa dos 10 'Luca' (10 mil Pesos chilenos), e Primus é mais do mesmo estilo, e pronto. Seu preço lá fica em 12 mil Pesos (R$ 64,00), enquanto aqui é encontrado por R$ 184,00. Nova tubaronice. Então faça assim: volte na primeira foto e veja quanto sobrou do Primus. Tá certo, Dona Liu, toda feliz, distribuiu Vasse Felix a torto e a direito, virando a garrafa alegremente em nossas taças duas, três vezes em seguida. Era a bem-aventurança em pessoa... Ainda, a favor de Primus, posso conceder: tinha sim algo a mais no nariz, mas o tabascão vinha com muita força. Talvez narizes melhores dessem-lhe mais crédito. Desnecessário comentar, a carraspana aqui é para o vinho, e não para o Mário. Ele apresentou-me (mais) uma oportunidade para degustar um vinho que jamais compraria, e confirmar minha percepção sobre a cepa. Ainda, recordo: provei sim um bom Carménère chileno, há tempos. O preço é que não agrada.

Mais uma nota de falecimento

Novamente a indefectível senhora visita nossas paragens. Desta vez levou para um lugar melhor o querido Wamberto Paschoal Vanzo, pai da Daniele, mocinha do grupo que Akira e eu chamávamos 'as meninas' - não confundir com a confraria para a qual utilizávamos o mesmo nome. Doutor Vanzo, advogado cuja carreira estendeu-se por mais de 50 anos, deixou-nos aos 83. Fez jus ao ditado segundo o qual 'dizemos jovem ao homem que partiu e sobraram-lhe algumas garrafas na adega'. Convivi pouco com o Vanzo, principalmente nos aniversários e festas familiares para as quais a Dani chamava nossa turminha. Vanzo sempre mostrava um sorriso fácil, ótimo humor - sempre - e transbordava carisma, ao que posso dizer sem a menor dúvida: conhecê-lo foi massa!

Preços


Poligonos...


Primus...

Sunday, April 7, 2024

Mais uma 'Paduscada'

Introito

   Patuscada pode ter o sinônimo de bagunça, mas também abarca o significado de folia - como aquela festa imersa na alegria do Carnaval - e para brincar com o nome da confraria remetendo nossas reuniões a um rega-bofe banhado a bom humor e amizade é um pulo... de forma que a última Paduscada (rs) foi, como sempre, assim mesmo. A Paduca é uma confraria que tem dado muito certo: reuniões nem tão espaçadas para dar tempo de sentir saudades nem tão frequentes a ponto de comprometer o fígado - ou a dignidade - de seus membros cinquentões. Na última terça tivemos mais um encontro, e os assuntos foram os de sempre: política, futebol, vinho, samba, suor e ouriço - principalmente ouriço - e não necessariamente nessa ordem. Aos vinhos...

Às cegas

Duílio chegou com seu vinho embalado, rindo muito - como sempre - e dizendo-se pronto para tocar o terror. Este Enochato encolheu-se na camisa e o Paulão cortou a pizza em oito pedaços - mesmo estando nós em três dessa vez... Nunca sisqueço de uma apresentação do Raul aqui em S. Carlos, na década de 80: ele tão travado a ponto de entrar no palco tropeçando no ar - literalmente - e depois não conseguindo passar a cabeça pela bandoleira da guitarra foi ajudado por uma das garotas do vocal. Recomposto, virou-se para a plateia e soltou um engraçadíssimo Acontéééééci... Paulão e Raul juntos nessa. 

Duílio serviu seu vinho, muito rico em frutas - ambos os confrades deram suas opiniões, até mais de uma fruta cada e não registrei quais - mas não se foi além da fruta, e igualmente não peguei outras notas. Nada de especiaria, chocolate, café, nada, nada, nada. Não é necessariamente um ponto ruim, apenas uma característica. A mesma fruta estava na boca, com leve dulçor, taninos leves e acidez baixa. Pensei comigo o que poderia ser. Um vinho simples, sem dúvida, e como tal muito difícil de estabelecer sua identidade - parabéns para quem consegue. Um pouco na trilha do doce e pelo nariz, achei ter algo a ver com Malbec, e palpitei ser argentino. De qualquer maneira é um vinho muito fácil de beber, principalmente para bebedores de pouco conhecimento e menor sofisticação: não raspa (sic), é macio e cai bem - mas não é Dreher (risos!) - com final rápido e rasteiro. Servi o meu, e os olhares se acenderam... mais complexo, frutas com madeira, boca mais pegada, maior complexidade, taninos mais presentes e melhor acidez - não tão mais aparente mas seguramente maior, com álcool e madeira bem integrados ao conjunto da obra. Ninguém se tocou do que estava bebendo... 

O Duílio pegou muito bem com o Faustino I Gran  Reserva que comprou comigo na boa safra de 2009 e virou fã do produtor. Volta e meia brinda-nos com outra opção, como o Crianza, aqui. Seu vinho dessa vez - não quis perder a 'promo' a R$ 50,00 - foi o Faustino VII Garnacha 2021, que que já bebi na safra 2020 e não apreciei tanto. Garnacha dá bons vinhos na Espanha, e sua versão francesa, a Grenache, está presente em ótimos Xatenêfis (sic) onde ela chega a comparecer como monovarietal, ao menos em algumas safras. Mas definitivamente essa expressão não me tem como fã. É um vinho barato para o padrão europeu - entre 3,50€ e 5,50€, o que dá entre R$ 20,00 e R$ 30,00. Aqui às vezes comparece como artigo de luxo de tão caro, mas também pode ser encontrado em 'promo' atraente - o Dú encontrou aqui em S. Carlos, creio que no Jaú Serve. Varia entre R$ 50,00 e... R$ 180,00 (má na promo (sic! rs!) por R$ 150.00(!)).  Já meu Cinco Forais Reserva fez boa figura. É um vinho mais complexo, custa cerca de 10,00€ em Portugal, o que dá o dobro ou mais do Faustino, e tem mesmo um padrão melhor. A péssima notícia fica pelo seu preço atual: comprei certa vez, em 'promo' - desconto de uns 40% - a R$ 77,00 - ótima compra! Atualmente está em tubaronescos R$ 250,00, explicáveis pela política da importadora - a Chez France - em tocar o preço nas alturas e depois oferecer 'descontos' de 50%. A Chez trabalhou durante muito tempo com margens abaixo de 2x, e atualmente suas promos estão com valores na casa dos 2x, ou pouco acima, o limite da compra. Por isso já há tempos recebo ofertas deles, dou uma olhada, até tem algo a preço bom, mas pela escassez de mais ofertas acabo deixando de comprar. O marcado de vendas - não necessariamente de lojistas, ou de lojas virtuais - está em franca expansão: 'representantes' independentes nas principais redes sociais operam também por uátizáppi enviando ofertas em alguns casos diariamente (este Enochato mesmo já foi contatado certa vez; a proposta veio na forma de comentário de alguma postagem e está disponível para quem tiver paciência de procurar - não dei atenção à época, apenas respondi que não tinha interesse). O leitor mais atento viu minhas observações recentes sobre a prática aqui mesmo, mostrando eméritas tubaronas desovando ótimos produtores com margens abaixo de suas próprias queimas. Já escrevi antes, e não custa repetir:

Paciência é sentar-se na margem do rio e esperar 
o corpo de seu inimigo passar boiando!

Abaixo, o pedido do Cinco Forais, quando paguei R$ 71,00 na 'bléqui uíki' de '22. O dóla (sic) já ultrapassara o patamar de R$ 5,00 há muito tempo. Não há motivo para subir de preço se o dóla só caiu desde então.


Valor do Cinco Forais, 'cá' (tubaronesco) e mais abaixo 'lá':

Nota: O Garrafeira Nacional, loja eletrônica portuguesa, eventualmente apresenta o preço em reais. Basta alterar a moeda. Como vemos, lá custa R$ 60tinha quase 'redondos'.




Valor de Faustino VII 'cá': tubaronice pornográfica, mas também em boa compra.




Valor de Faustino VII 'lá': média de 4,50€... para uma 'promo' aqui de R$ 150,00 dá... 6x! Vai ser tubarão assim lá no meio da sua taça!



Sunday, March 31, 2024

Vaticínios de Don Flavitxo, ou O Dilema do Enochato

Introito

Melhor um ano antes
do que um dia depois.
Don Flavitxo

Com essa máxima, Don Flavitxo explica: é preferível beber o vinho um pouco mais jovem a correr o risco de perdê-lo para um maior envelhecimento na tentativa de encontrá-lo em seu pico. Não discordo totalmente, mas também não é justificativa para ele beber (bons) Barolos e Brunellos 2017, 2018 😣...  tá, ele também bebe uns 2012, 2014, às vezes 🤣😂😅... Apenas - palavras dele! - um dos melhores e mais poderosos Chiantis que já bebi foi um Felsina (produtor) Berardenga (região de Chianti Classico) 1999, oferta minha, degustado em janeiro de 2021... minha postagem está aqui, e a dele, aqui - espero que esse link funcione depois... 🙄. Claro, segurando vinhos corremos alguns riscos. De repente - não sei se estou correto - algum problema de rolha - e não do vinho em si - pode ser potencializado pela guarda. Tá, faz parte do risco... eu o corro. Até uns poucos anos atrás minha adega era muito nova: barolinhos e brunelinhos '04 a '06, xatenefinhos '09, 10, borgoinhas '05, '09, e o pior, bordozinhos '09, 10... bordozinhos são vinhos para durar 50 anos, especialmente nessas safronas... como eu iria bebê-los na mais tenra idade? Sim, o leitor atento presenciou algum xatenefinho '01, o Berardenga, um Montrose com 17 anos e uma ou outra degustação de vinhos algo melhores devidamente envelhecidos. Mas sou somente um pobretãozinho, e não pobretãozão completo, certo?!

Recentemente, Don Flavitxo me cutucou no Zapi: estou guardando meus vinhos por muito tempo. Ele mesmo relatou experiências desastrosas com vinhos mais antigos, e tem muitos envelhecendo ao mesmo tempo. De fato, é uma infelicidade aquele vinho tão carinhosamente guardado estar passado... Mas faz tempo que não me chama, o canalha!, enquanto isso os vinhos dele envelhecem! Prá reclamá (rs), ele está aí presente, né?! Lavação de roupa à parte 😆, fiquei realmente apreensivo: o vaticínio de Don Flavitxo tem base sua própria adega, muito melhor do que a minha. 😱 Deus do Céu, colocou-me em um dilema sério - seríssimo!: E se meus vinhos estiverem mesmo indo?! Com que cara vou servi-los a meus ilustres convidados, abrir alguma garrafa com toda a pompa e notar que o vinho foi embora?! Penso, penso, penso, e só encontro uma possibilidade: urge poupar meus confrades de tamanho dissabor - e a mim de enorme desgraça, tornando-me alvo de seus comentários resgatando as sábias palavras de D. Flavitxo! Começarei a tocar fogo (sic) nas garrafas, sozinho! Assim, guardarei para mim a vergonha dos que não estiverem bons! E olha, é pra já!

Bruno Clair Aloxe-Corton 2008

O Bruno Clair - dizem por aí - não está na parte de baixo da tabela (sic) dos bons produtores da Borgonha. Nem no meio. Proprietário de vários vinhedos Grand Cru, seus principais rótulos alcançam USD 500,00 em boas safras. Sobram para pobretões os exemplares mais simples e intermediários, pacote do qual este Corton é bom exemplo. Custa entre USD 60,00 e USD 80,00 e, junto de Pommard, é outra região da Borgonha onde os vinhos são os mais pegados, com taninos poderosos e ótima estrutura. Notas terrosas e compota denotaram seu envelhecimento. A cor também revelou seu estágio terciário indo para um pouco atijolado, mas a boca estava como eu gosto: tânico, pegado, ótima acidez, álcool (13%) bem integrado, toques de carne e herbáceo, com persistência longa de verdade, daquele tipo que quando mastigamos com a boca vazia, notamos quanto do vinho continua lá. Tinha pensado em beber dessa garrafa com alguém, mas não lembro-me agora quem seria... o próprio Don Flavitxo? Talvez fosse... já foi - uma pena para ele - e esteve bão, mas bão mesmo... a rolha desta vez não foi a vilã, pelo contrário: como podemos ver, cumpriu seu papel conforme o esperado.


O segundo dia

   Concluo a postagem no segundo dia, vinho aberto há praticamente 24 horas. O buquê a carne acentuou-se um pouco, e os toques terrosos também estavam lá. A acidez estava vibrante, e a persistência bem perceptível. Cortons em geral apresentam essa cara, e boa longevidade. Bebe um Grand Cru '99 do Bertrand Ambroise há alguns anos - beirava 20 anos - e, mesmo aerando por seis horas, notava-se claramente como ele estava fechado. Teria ficado ótimo com 24 horas... Não combinou com o bifim ao molho gorgo, mas foi o que eu tinha comprado para o final de semana com feriado. Sei, sei... Borgonha combina com pato. Preciso apender a cozinhar de verdade...

Resenha: O Problema dos Três Corpos (livro!)

O Problema dos Três Corpos
é o primeiro volume da trilogia de Cixin Liu, escritor chinês e primeiro autor não anglófono a ganhar o Prêmio Hugo de ficção científica na categoria Best Novel, em 2015. Saiba mais sobre o prêmio aqui. Antes de comentar sobre a obra, uma palavra acerca das resenhas, nos dias de hoje. Impressiona o quanto pseudo-resenhistas não conseguem escrever um parágrafo sem adiantar temas ou passagens importantes das obras, sejam elas cinematográficas ou literárias. Esses estragos não limitam-se a colunas, e atualmente invadem até mesmo a contracapa ou orelhas das próprias obras que deveriam ser enaltecidas, mas jamais desnudadas às vezes até a seus clímaces! A edição brasileira tem ainda alguns erros graves de tradução - mas há crédito a duas revisoras... Não bastasse, o comentário da contracapa é grosseiro: Uma novela clássica de ficção científica no melhor estilo de Arthur C. Clarke (para quem não pegou, ele foi o autor de 2001 - escrito depois da produção do filme - O Fim da Infância, A cidade e as Estrelas e Encontro com Rama, obras seminais da ficção científica escritas entre os anos 1950 e 1970). Completamente errado. É preciso ler o livro direito para resenhá-lo! Escrito com delicadeza literária raras vezes visto no gênero - sua preservação para o português é seguramente mérito da versão em inglês, utilizada na versão brasileira - a estória está muito mais para a poesia de Ray Bradbury do que para o cientificismo de Clarke - mesmo sendo O Problema dos Corpos um exemplo de Ultra-Hard Science Fiction por excelência (para saber o que é Hard-Science Fiction, aqui; entenda esse Ultra-Hard como um passo além da definição de Hard). Tá entendendo (sic) porque a obra papou o Hugo?

Durante a Revolução Cultura chinesa, a astrofísica Ye Wenjie, presencia o assassinato de seu pai, cientista da Universidade de Tsinghua. Enviada como membro de uma brigada de trabalhos na Mongólia, acaba presa sob acusação de atividades subversivas mas é resgatada para trabalhar em um laboratório secreto próximo. Acreditando tratar-se de uma arma chinesa para danificar satélites inimigos em órbita, ela passa a conhecer cada vez mais o equipamento. Ao deparar-se com informações de outras pesquisas que levam-na a acreditar poder utilizar-se do nosso Sol como amplificador de mensagens para as estrelas, ela tem a ideia de fazer um teste escondido de seus superiores. Com o relaxamento das dissenções sociais, ela volta a ser professora em Tsinghua e conhece um ambientalista ocidental vivendo como eremita na China, alguém com quem ela descobre ideais em comum e um profundo desejo de mudar a humanidade. Após partilhar com ele seu experimento inicial, eles embarcam em uma jornada cujos acontecimentos arrastarão o leitor para questões filosóficas e morais acerca de nossa espécie, e muito mais além. Com a estreia da série homônima na Netflix, o leitor talvez saiba mais do que se trata, mas assumirei que não saiba. Como o autor só revela suas intenções ao redor da página 200 - o romance tem 320 - deixo o convite para o leitor desta resenha descobrir por si o caminho seguido pelos protagonistas e suas implicações. A estória é super tecnológica - mas didática na maior parte do tempo - sem complexidade exagerada, embora profunda, e trata do futuro da humanidade com seriedade e muita imaginação, mantendo o leitor cada vez mais interessado, até a última página. Não tenho acompanhado muito da ficção científica mais recente, mas O Problema dos Três Corpos seguramente se encaixa entre os melhores romances que já li no gênero. Para quem contabiliza a leitura de uns 1.000 livros dentro dessa categoria, foi um prazer encontrar uma estória dessa qualidade. Já estou na metade do segundo volume.

Friday, March 29, 2024

As trapaças do Ghidelli

Direto na postagem...

Depois de muita combinação, saiu um encontro na casa do Ghidelli. Ele me liga falando em promover uma noite de espanhóis - principalmente - e menciona o Beronia Gran Reserva 2009. Tá bom... teve um... rosé da Provença, que não deixou lembrança nem saudades; Domaine La Rouillere (não guardei a safra) é bastante leve, nem tão pouco álcool (13%), baixa acidez e desembestado como se fosse a ligeireza em pessoa. Só reforçou minha má estima para com rosés em geral. Para acompanhar camarão com mascarpone veio o J de Villebois Sancerre 2021, um Sauvignon Blanc, como é típico da região do Vale do Loire. Nota herbácea evidente - alguém deu outro palpite - mais corpo, mesmo com menos álcool (12,5%), mineralidade presente, como igualmente característico, melhor acidez e fresco, não combinou como outras provas movidas a exemplares de Chablis - principalmente Premier Crus -, mas fez bom par. O Mas La Plana 2017 veio às claras. É um vinho conhecido dos bebedores mais avançados, Cabernet Sauvignon produzido em Penedès, onde a Família Torres está estabelecida desde o século 16. Penedès fica próximo a Barcelona, à beira do Mediterrâneo, embora tenha 'operações' em Ribeira del Duero e no Priotato. Discutimos sobre a leve picada típica da CS, presente em Mas la Plana de maneira bem discreta, e interpretamos como a expressão da cepa na Espanha. Fruta generosa no nariz, boca equilibrada, corpo médio, acidez chegando a média, com boa persistência. Um toque de madeira deixa o palato marcado, e não enjoa. Para uma garrafa aberta logo na chegada dos convivas, antes do início dos trabalhos, lembrou um pouco o próprio nome: plano, pois não mudou muito durante o percurso. Não sei se foi a garrafa ou se precisa de mais tempo em adega. Pelo preço lá fora, USD 80,00, achei um tanto caro pelo benefício. Fiquei pensando se ele encararia, p. ex., um Fattoria di Felsina Berardenga Chianti Clássico, ou um Fontodi Chianti Classico Riserva/Gran Selezione Vigna Del Sorbo, por exemplo, vinhos de valor similar em safras igualmente jovens, e acho que ele não lhes faria frente. Conversa de Enochato...

A grande trapaça

Um dos vinhos estava às cegas, e o Ghidelli desafiou quem descobriria a procedência - encarou-me com um olhar especialmente artimanhoso (risos). Que canalha... havia-me cantado a bola do Beronia. Cafunguei, comentei sobre ter um toque de ponta de língua mais forte do que Mas la Plana, o que poderia sugerir uma Cabernet Sauvignon. A Elvira concordou de imediato, era um toque mais pronunciado mesmo. Declarei não conseguir identificá-lo, não tinha cara de português, italiano ou francês, e também recusei-me reconhecê-lo como espanhol - a despeito da cantada de bola em particular. No nariz estava maduro, notas na direção de couro e chocolate, e frutas escuras. Boca muito equilibrada, madeira presente mas muito bem integrada, álcool discreto - eram 14%  conforme conferi depois - corpo tocado a bons taninos e acidez bem presente. Ganhou do Mas La Plana com folga, e para minha completa surpresa era um vinho chileno: O Conde de Superunda 2011. Com um sorriso maroto, o Ghidelli passou ao novo desafio: se eu falaria bem dele na postagem. Produzido em Curicó - vale onde, confesso, nunca prestei muita atenção - é uma mistura de cepas chilenas (CS e Carmenère) e espanholas (Tempranillo e Monastrell) elegante, pegado como eu gosto e de muita personalidade. Esta aí, um vinho do qual posso falar bem, sem o menor problema - e falar bem do que é bom, independente da procedência, nunca foi problema neste blog. Veja aqui, quando falei bem de outro chileno. Don Flavitxo há havia comentado sobre ele, há muito tempo. Mas foi numa fase posterior ao meu descontentamento com com os vinhos chilenos, momento em que seu valor já estava alto demais e não passava-me mais pela cabeça comprá-los. Como Mas la Plana, ele custa no Chile cerca de USD 80,00. Acho que ele pegaria Chiantis numa luta com melhores chances, mas também perderia. O Wine Searcher avisa-me: um Domaine du Pegau Chateauneuf-du-Pape Cuvee Reservee (2019) também custa esse preço. Leia sobre ele aqui, e garanto, fica desigual. Conde de Superunda é um bom vinho, mas confirma minha máxima: vinhos sulamericanos estão muito caros.

Por sobremesa, tivemos um... ler rótulos alemães é complicado... bem, um Domdechant Werner 2011, Riesling auslese. Esse último termo indica de alguma maneira o quanto  o vinho é doce, ou algo assim.  Sei mesmo que estava bom, e combinou com uma sobremesa recheada de frutas vermelhas. Mas àquelas alturas não estava mais prestando atenção para notas ou detalhes fosse dele ou do Moscatel Roxo 5 anos da Bacalhôa... lamento...

Friday, March 22, 2024

Paduca (n)on the rocks

Introito

Os paduquentos são - todos eles - pingaiados do primeira. E ninguém jamais tentou esconder isso... portanto minha ideia, no final do ano passado, de começar a comprar uma garrafa de uísque por mês junto dos vinhos e degustá-las em algumas ocasiões, não foi prontamente aceita; foi imediatamente implementada! Com quatro garrafas estocadas, marcamos nosso primeiro encontro. O dilema inicial foi programar a ordem de serviço. Cada bebedor apresentou sua ficha corrida, digo, suas credenciais: Fernandinho conhecia todos - pingaiado-mor. Duílio conhecia dois - pingaiado-experiente. Paulão nada conhecia: pingaiado-neófito. 🙄 precisei render-me, estava na mesma condição. Tenho vivido os últimos anos à base de algum Chivas ou Buchanan's, com escorregadelas para um Singleton - os dois primeiros blends, o último, single malt, todos 12 anos. Já fui de Joãozinho Andador também, e provei aqui e ali uns Chivas 17 e 21, algum Macallan e outras tranqueiras similares (rs). De uns tempos para cá, noto como beber uísque está ficando mais barato do que beber vinho... (batendo palmas): Alô, alô, importadores de uma figa! Se for embora, não volto nunca mais, heim!

Os atores

Começamos pelo The Chita Distillers's Reserve, um single grain da Suntory Whisky. Se entendi bem - meu japonês está bem enferrujado - a Suntory começou suas atividades há um século, e à destilaria principal foram-se juntando outras; The Chita é uma delas. Seus 43% de álcool estão bem presentes (risos), com nariz diferente, mas sem deixar de lembrar nossa boa e velha cachaça. A boca também é pegada, guardando a mesma similaridade com nossa campeã nacional. É um pouco mais fino - um pouco - e fiquei pensando se vale os quase 400tão pagos por ela. Tem envelhecimento em barricas de Sherry e Bourbon durante (dizem, internet) 3 anos. Na sequência veio o Glenmorange The Original 10 anos. Single malt envelhecido em barricas de Bourbon de primeiro e segundo uso, seus 40% de álcool pareceram mais equilibrados em nariz e boca, e para um 10 anos não fez feio - nem um pouco. No meio das conversas o Duílio comentou - piscando para os colegas - sobre fazer gelo usando água de coco e misturar com a bebida, para dar uma 'quebrada'. Eu já mantivera as garrafas na geladeira para resfriá-las, e as servi duas a duas. Meu comentário democraticamente acabou com a questão:
   - Aqui se bebe uísque non the rocks...
   A primeira rodada ainda suscitou comentários bem favoráveis do Duílio para o Glenmorange, e no geral mais gélidos para The Chita; fá declareado da linha Joãozinho Andador, sua boca babava pela chegada do Johnnie Walker Green Label, para os conhecedores sabidamente um 15 anos. Um blend de 12 single malts, dentre eles Caol Ila, Linkwood, Cragganmore e Talisker, peguei nele o mesmo defumado que às vezes pego nos Chivas. Seus 43% de álcool também são equilibrados, e dentre os três primeiros mostrou um final mais robusto - embora um tanto áspero depois de engolirmos e salivarmos. Mas era um final mais vigoroso, presente. Em quarto chegou um Chivas Regal 18 anos, 40% de álcool, como mencionado um travo de defumado no nariz, boca redonda mas pegando um pouco, como o Green. A boca é mais complexa do que os primeiros exemplares, e o final também é aportou boa permanência. Com preço na faixa do Green (400tão), competem muito bem entre si, e talvez Chivas ganhe por meia cabeça. Não foi a percepção do Duílio; ele propôs darmos mais atenção ao Glenmorange  e ao Green no próximo encontro, fazendo um par entre eles, para comparação direta. Ao final, os Paduquentos estavam quase bêbados - quase -, e seguramente felizes...


...mas tinha um outro 12 anos no meio do caminho...

The Macallan 

Como se faz com os melhores vinhos, ofereci por último a degustação de um The Macallan Sherry Oak Cask 12 anos, um, single malt de minhas reservas estratégicas. Esse, ninguém jamais bebera... Servi os confrades e tirei meu momento para apreciá-lo. Não consegui tirar suas notas, mas é... fino... quando olhei para os colegas, notei o Fernando mirando fixo para o infinito e o Duílio mantendo os olhos vidrados em seu copo. Paulão apenas chorava. A exemplo dos demais uísques da noite, fiz um bico com a boca e sorvi um pouco de ar. Ensinei diversos confrades a fazer isso com vinho, mas é preciso ser muito mais parcimonioso com uísques: a quantidade de álcool é muito maior, e sua vaporização em boca fica bem mais vigorosa. Com Macallan, soou muito mais redondo em comparação com os outros; ainda, a boca, muito macia, tinha um toque com o qual fiquei maravilhado e tentando descobrir o que era. Envelhecido em barricas de Xerez do tipo Oloroso, segundo a ficha técnica seu final tem frutas cristalizadas. Talvez fosse isso, mas não fiz a conexão naquele momento. Sei que enquanto Macallan  tocava o terror nos corações e mentes dos Paduquentos, eu apreciava o quanto ele permanecia em boca: após engolir e salivar, ele estava lá. Engolindo a saliva e salivando mais, ele continuava lá... O Paulão tentou subir na mesa - o teto da adega é baixo - e, não conseguindo, ficou de joelhos em cima dela. Olhos vermelhos de fúria, tentou apontar para meu nariz, mas pela proximidade comigo a posição da mão ficou estranha... então ele pousou ambos os braços na cintura e num ligeiro rebolado disparou: 
   - Você sempre chega no final e quer colocar algo melhor, não é mesmo?! 
   Baixei os olhos por um instante, mas depois voltei-me com tranquilidade: 
   - E diga que não está bom... 
   Todos beberam quietos e felizes até o fim da reunião. Despedimo-nos com abraços afetuosos, calados.

Monday, March 18, 2024

Uma semana triste

Introito

No dia 13 passado tivemos mais um encontro no Shot Café/Vinho, com apresentação de uma viagem ao Egito pelo viajor Eduardo, da Caminhos do Turismo. Não bastasse, era aniversário dele. A surpresa para todos chegou quando o Edu começou a tentar nos dizer, com olhos embargados, parando de tanto em tanto para tentar conter a emoção, que preferia nenhuma manifestação mais efusiva pela data; ela estava eclipsada de maneira indelével pelo estado de saúde crítico da mãe de uma de nossas queridas confrades. Ela veio a falecer na sexta-feira, e infelizmente a distância a separou de nós todos. Ficam nossos melhores sentimentos - não apenas os meus, mas de todos os participantes do encontro, que manifestaram sua solidariedade sem mesmo conhecer a confrade.

A degustação das Arábias

Bem, a degustação não foi das Arábias, mas do Egito, embora o Edu tenha passado ali por perto também. Mas tinha camelo, o que por algum motivo dá-me um quê de Arábias... Os vinhos não foram de lá, apenas o assunto rondou esses lugares. Começamos com dois brancos, mas lembro-me de somente um: o Corte del Golfo Coda di Volpe Irpinia 2020. As coisas complicam, aqui. Coda di Volpe - Rabo da Raposa - é o nome da invulgar cepa branca da região da Campania, na 'canela' da bota. Infelizmente foi servido em uma taça desajeitada, e meu nariz estava algo ruim no dia. A mulherada estava afiada: alguém disse ter mel - segundo a ficha técnica, tinha mesmo. Ainda cravou-se outra expressão corretamente, não lembro-me qual. Sem acidez, não chamou-me a atenção. Tivemos um Brumes de Gascogne Merlot e Tannat 2021, localizada no sudoeste da França - mais ou menos fica abaixo de Bordeaux, em direção à Espanha. Pega um pouco mais das terras à direita também - lembre-se: Bordeaux fica próximo ao Atlântico; o sudoeste vitivinícola desce em direção da Espanha espalhando-se para o interior, a leste. Essa região é caracterizada, dentre outros detalhes, por ser o lar da Tannat e da Malbec na França, em comunas distintas. Brumes de Gascogne é um pouco ligeiro, leve, e novamente a mulherada notou (e acertou) cereja. Alguém ainda mencionou a cepa. Os homens ficaram como avestruzes. Achei que casou com pizza, mas aprecio mais vinhos de maior corpo; pode ter seu público e apenas este Enochato não faz parte dele. O Castello Di Querceto Rosso Toscana 2020, com melhor corpo, agradou. Se não me engano o corte Sangiovese, Syrah e Merlot é produzido em Chianti, e Querceto acaba rotulado como IGT pela presença da Syrah - até onde sei a Merlot foi permitida na DOCG, mas não a Syrah. Tinha fruta evidente, e outras notas; boca um pouco mais pegada mas faltou um teco de acidez para dar graça à composição. Tinha outras expressões, mas acabaram passando.

Esticando na adega do Enochato: erros que foram acertos

Apesar do infortúnio anunciado, a data ainda era comemorativa. Convidei os presentes para esticarem a noite. Fui à pizzaria, duas quadras dali, encomendar uma única peça, e quando retornei o número de pessoas dispostas a degustar mais algum vinho tinha dobrado 😣. Uma turma heterogênea, pensei rápido: mais um ótimo grupo para experiências deste Enochato. Servi dois vinhos às cegas enquanto o terceiro respirava um pouco à vista de todos. Como mencionado, o grupo continha desde neófitos até gente mais experiente, que curte viajar para vinícolas e conhece vinho há até mais tempo do que este escriba. Após ouvir algumas opiniões rápidas "gostei/não gostei/gostei mais", pedi ao Waldomiro uma análise mais técnica. Confrade eventual de quase duas décadas, ele tem bastante experiência com vinhos do velho e novo mundo. Achou o primeiro vinho 'até bom' embora ligeiro; podia ser bebido sozinho e agradar; avaliou em uns R$ 80,00. O segundo, bem mais estruturado, mereceria um acompanhamento, e estaria na faixa dos R$ 120,00-R$ 150,00. O primeiro era o Tarapacá Etiqueta Negra Cabernet Sauvignon (preço: R$ 170,00 em 'promo' a até R$ 320,00), e o segundo era nosso valente e valoroso Quinta de Chocapalha 2016, que comprei a cerca de R$ 90,00. Em termos de preço de mercado, as avaliações do Waldomiro soaram um fora excepcional. Mas... como é mesmo a estória repetida ad nauseam por aqui?, vinho sul-americano está caro demais.... Pois é! O Waldomiro avaliou corretamente - comparando pelo preço de mercado - o quanto deveria valer (posto aqui!) um Tarapacá Etiqueta Negra e acertou o preço 'normal' (tubaronesco) do Quinta de Chocapalha. O preço baixo (na verdade, honesto) de Chocapalha (abaixo de R$ 100,00) deve-se possivelmente, à crise não comentada pela qual passam as tubaronas - e talvez todas as importadoras do país. O pessoal está queimando 'lucro excessivo' e desovando com margens mais condizentes. Se prestar atenção tem muita oferta interessante por aí. E voltando ao Waldomiro, sua avaliação correta do 'preço brasio' para o Chocapalha mostra (risos!) quanto ele precisa usar mais o Wine Searcher e preservar suas compras. Fora isso, walew, Waldomiro!

   A segunda parte foi um fora deste pobre-coitado: o Edu falou em beber um Rioja; imerso na soberba, puxei um Ribeira del Duero... 😣. Era o Pago de Los Capellanes Joven 2019, já comentado outras vezes. Pelo menos, após aerar por uma boa hora antes de ir para o balde, ele mostrou ótima fruta e estrutura, deixando para trás os dois primeiros. É mesmo outro padrão de vinho, e esta safra pode ser guardada por mais alguns anos. Tenho comentado isso com a Paduca: eles ficaram entusiasmados após experimentar o Gran Reserva do Bilbao - está aqui - contra um Muga Reserva novo e não pronto para ser degustado, e exultaram-se com o primeiro, sem notar bem o potencial do segundo. Observemos tratar-se de um Reserva versus um Gran Reserva. A estória repete-se: um produtor melhor faz diferença. Não que os vinhos da bodega Ramón Bilbao sejam ruins, mas para mim afigurou-se uma boa fronteira para futuras experiências, principalmente com iniciantes: comparar o quanto um Gran Reserva de certo produtor pode ficar abaixo de um Reserva - ou mesmo Crianza - de outros produtores. Um tema a ser explorado em futuras brincadeiras.

Outro falecimento

Nesta segunda-feira, amiga querida e confrade faleceu, levada pelo câncer, na flor dos 82 anos. A Margarida M.M. Tavares, terceira da esquerda, entre a Márcia (segunda) e Elvira (cabeceira) sempre compareceu às reuniões munida de bom humor, graça e leveza, insistindo que não entendia nada de vinho; ela apenas gostava ou não gostava do que ia provando. Não entendendo, do que gostava mais, ao final repetia uma taça. Convençam-me dessa verdade sob minha afirmação: ela sempre escolhia, para repetir, o melhor vinho da noite... 😏 safadinha, enganava todo mundo e jamais percebemos. Tão logo escureceu nesta noite, busquei meu telescópio e apontei para a saída do nosso sistema solar. Não vi, mas senti: ela já passara por lá, em direção ao Grande Tudo. Fique onde ficar, esse lugar está mais divertido agora.