Saturday, September 29, 2012

O dia em que a noite não foi boa (sic)

   Fiquei pensando em títulos possíveis para esta postagem. Como não sou bom eles, acabei escolhendo este, mais escrachado. Que o Senhor me ilumine para não esculhambar também com o restante do conteúdo...

Uma noite de vinhos brasileiros um pouco mais antigos

   O Flávio, do Vinhobão, sempre que pode, passa minha pequena adega em revista. E sai com aquele olhar artimanhoso, pensando que eu não notei. Eu noto, mas como bom anfitrião que tento ser, limito-me a um sorriso. Desde algum tempo ele vinha falando em alguns vinhos nacionais mais antigos que acabei esquecendo pelas prateleiras. Para me atiçar, dizia ainda que de repente poderiam acontecer gratas surpresas ao abri-los. O leitor mais esperto já ligou o título da postagem com o assunto, e talvez esteja se divertindo com minha inocência de entregar o jogo logo de cara. Por outro lado, espero que o pedido inicial por inspiração seja atendido, e que o raro leitor não fuja destas linhas antes do derradeiro final. Para registro, esta ficará conhecida como "a noite em que os tolinhos foram espertos, e os espertos, tolinhos".
   Eu havia chamado a turma toda para o evento: Akira, Marcão, Ghidelli, Vânia, Endrigo, Flávio, Raquel e eu mesmo. O primeiro disse "não" (simples assim), o segundo roeu a corda no último minuto, o terceiro "não podia", a quarta "estava ocupada" e a penúltima viajara - ou assim nos disse. Ou seja: todos os tolinhos que eu acreditava poder ajudar-nos na tarefa de degustar alguns vinhos nacionais não vieram por algum motivo, enquanto três bravos heróis reuniram-se para dar conta de quantas garrafas viessem. E começamos abrindo quatro:
  • Rio Sol 2004
  • Dom Laurindo Tannat Reserva 2004
  • Marco Luigi Tributo 2005
  • Marco Luigi Conceito 2005

Vamos pela ordem de abertura.
Marco Luigi Conceito 2005. Tempranillo produzido no Vale dos Vinhedos, 12,5% de álcool. No contra-rótulo, lê-se: "Prazo de validade: indeterminado. O produto é garantido até o seu consumo, desde que conservado em sua vedação original, em local fresco, seco, ao abrigo da luz e preferencialmente na posição horizontal". Tudo o que minha adega pode proporcional a qualquer vinho que estagie por lá. Visualmente, quase poderia passar por um rosê. O buquê já evidenciou o vencimento do prazo de validade, e na boca estava um tanto azedo. Comentário do Flávio: "A garantia valia até a abertura; quando abrimos, deixou de valer...".

Marco Luigi Tributo 2005. Corte de Cabernet Sauvignon, Merlot e Touriga (não menciona qual), produzido na Serra Gaúcha, 12% de álcool. O mesmo texto anterior constava no contra-rótulo deste. Pela menor graduação alcoólica, temi mais pela integridade deste do que por daquele. Visualmente, tendia para o atijolado. Levamos ao nariz, e nada. Na boca, a sensação era de não estar estragado. Demorou algum tempo para começar a aparecer uma frutinha muito no fundo, e um pouco de álcool. O vinho não estragou, mas o passar do tempo não fez-lhe bem. Agora, 10:10 do dia seguinte, enquanto escrevo, experimentei um dedalzinho. Curiosamente não desandou, continua muito leve e em nada lembra os similares Cabernet/Merlot de nossos vizinhos. Não ter potência não deve ser encarado com um defeito, mas como a expressão dessas uvas em nosso solo - com as chuvas torrenciais características do Sul e tudo mais. Eu gostaria de tê-lo experimentado uns três anos antes. Foi bem consumido durante ao conversa, e o fundo de garrafa que restou será suficiente para o almoço, prova de que, não sendo um grande vinho, deu para o gasto, dentro da proposta.


   Dom Laurindo Tannat Reserva 2004. Tannat produzido no Vale dos Vinhedos, 13,6% de álcool. No contra-rótulo, a recomendação: "Aconselha-se consumir em até oito anos". Indica-se também ser a garrafa de número 00561, de um lote de 40.000. Assim, neste 2012 estamos no limite para seu consumo. Eu já havia provado de outras quatro garrafas desde a compra, lá por 2006 ou 2007. Sempre tive como um vinho potente, mais pela uva do que pelas condições climáticas, mas com a degustação de Tannats uruguaios de melhor qualidade, mais recentemente, percebi que esta cepa não é necessariamente encorpada e rascante. Mas voltemos ao Dom Laurindo. São 10:23, e despejo um pouco mais do que um dedalzinho na taça. Visualmente, nota-se um ligeiro atijolado nas bordas, mais escuro ao centro. No nariz, faz-se presente a fruta vermelha. Na noite anterior ela estava lá, também. Na boca, o rascante de outrora apresentou-se mais amaciado, a madeira aparecendo mais. Algo tânico, embora muito leve. Pode? Pois é, pode. Nesse aspecto, o vinho ficou um pouco exótico, se é que me faço compreender pelo leitor. E fica uma pergunta, ou melhor, um enigma: lá por 2006, quando experimentei os primeiros exemplares, tinha relativamente pouco caminho trilhado na estrada de Baco. Comecei mais seriamente lá por 2000, 2001, com os León de Tarapacá. Será que meu paladar em 2006 ainda não estava apurado, e o Dom Laurindo, naquele momento, soou mais encorpado do que nos dias de hoje, quando minha "litragem" já pode incutir algum respeito nos iniciantes?

Rio Sol 2004. Produzido com "uvas viníferas" (sic), no Vale do São Francisco, 12,5% de álcool. No contra-rótulo, "Primeiro vinho internacional produzido na latitute 8° sul". Junto ao rótulo, um selo "O único vinho brasileiro pontuado pela Wine Spectator: 83 pontos". 83. São 10:50, e mais um fundinho de taça. Também atijolado nas bordas, mas com a fruta mais presente de todos. Tal como na noite anterior, na boca mostrou-se bem leve, sem amargor, mas também sem impressionar. Bem menos tânico que o D. Laurindo, pode agradar ao bebedor de vinho nacional, mas não àquele acostumado - veja lá - ao já citado León de Tarapacá, que é um vinho bastante básico.


   Um ponto em comum permeou a abertura de todas as garrafas: as rolhas, todas bastante curtas e de qualidade inferior, saíram "na unha". É a maneira escrachada de dizer que não ofereceram qualquer resistência ao saca-rolhas de dois estágios que foi usado. Essa vedação "meia boca" certamente contribuiu para que os vinhos não aguentassem tanto tempo guardados. E a rolha não pode ser considerada um item dispendioso nesses produtos que custaram, à época da aquisição, cinco ou seis anos atrás, valores superiores a trinta ou trinta e cinco reais. Parece claro que, no caminho de produzir bons vinhos, o cuidado com a rola precisa entrar na pauta dos nossos pequenos e médios produtores, visto que as rolhas de outros nacionais que experimentei recentemente também não apresentaram a mesma qualidade de vinhos sul-americanos da mesma faixa de preço.

Para terminar, registro um novo seguidor, o senhor Alexandre Sousa, que anteriormente comentou sobre uma postagem de vinhos espanhóis. Espero que ele possa divertir-se lendo estas divagações do mesmo tanto que eu divirto-me escrevendo-as.

14 comments:

  1. Foi rápido Carlão!!! Seus comentários sobre os vinhos foram perfeitos! Valeu a experiência...rs. Espero que o Akira não diga aquela frase "Ainda bem que eu não fui..." rsrs.
    Legal que tem um novo, e ótimo, seguidor do seu blog. O Alexandre é gente finíssima!
    Abraços,
    Flavio

    ReplyDelete
  2. E sobraram aqueles, o Aurora Reserva 2000 e o Don Abel 2005. Vamos marcar? Talvez chamar o s. Alexandre?

    ReplyDelete
    Replies
    1. Pô, vai querer sacanear o Alexandre??? rsrs... Acho melhor deixar estes dois para o Akira, que "não pode estar presente"...rs.
      Abraços,
      Flavio

      ps. Para compensar a viagem do Alexandre tem que ser vertical de Numanthia...rs

      Delete
  3. Vertical de Numanthia? Assim só dá pra rir torto... (rs tortos).

    ReplyDelete
    Replies
    1. Olha, Numanthia também tem prazo de validade, hein! rsrs.
      Vinho que fica de enfeite acaba virando tempero...rsrs.
      Abração,
      Flavio

      Delete
  4. Senhor Carlos,
    Desde já agradeço a menção de meu nome nesse ilustre blog e neste momento declaro abolido o tratamento de senhor a minha pessoa, inclusive peço "vênia" (está na moda) para chamar-lhe de Carlão, forma de tratamento adotada pelo Flavio.
    Realmente, é uma diversão ler os teus posts onde, de forma bem descontraída, revelas com clareza as tuas impressões.
    Vinho nacional envelhecido... É uma odisséia arriscada não há dúvida.
    Mas é legal.
    E esse encanto de ver uma garrafa mais antiga e pensar na sua abertura é o que nos move (a mim, a ti e ao Flavio).
    Aliás, falando no Flavio, grande figura!
    Legal seria uma degustação com vcs, claro, vamos caprichar um pouquinho mais nos vinhos (rs).
    Abração e bons vinhos!
    PS: frase para a posteridade essa da validade cessada quando da abertura da garrafa (rs).

    ReplyDelete
  5. Alexandre (abolidos os tratamentos, então), obrigado pelo incentivo.

    De fato, a odisseia foi interessante. Mas não deve ser repetida com frequência (rs).

    Pelo seu e-mail, vi (e recordei-me) do seu blog, que já visitei algumas vezes. Vi que você mora no Sul. Poderia avisar se pensar em perder-se por S. Paulo. Claro que os vinhos seriam escolhidos a dedo.

    []s,
    Carlão

    ReplyDelete
    Replies
    1. Pô, você não havia entendido o porquê de ter dito que para o Alexandre participar tinha que ser vertical de Numanthia??? Você acha que o cara vai viajar eesa distância para tomar Marco Luigi velhinho??? rsrsrs...
      Abração,
      Flavio

      Delete
    2. Caro Canalha, (rs)

      Um Numanthia não é enough o bastante? (sic)

      O pessoal não pega avião para experimentar vertical, e ainda paga!? (rs)

      Delete
    3. É... faz sentido... rsrs. Acho que um Numanthia 2003 seria enough...rs.
      Abraços,
      Eu mesm

      Delete
  6. Carlão,
    Olha, minhas idas a SP se restringem a turismo e, pensando bem, não seria mau um "turismo de degustação" (rs).
    Ainda mais encontrando com os amigos (vc e o Flavio) que tive o prazer de conhecer via blog.
    Mas fica tb a sugestão se vierem vcs por estas bandas.
    Abraço!
    PS: quanto aos vinhos, fica tranquilo, sou apreciador dos mistérios que existem em cada garrafa, se bons (melhor) se nem tanto (fica a experiência).

    ReplyDelete
  7. Precisamos ficar alertas, e não perder uma oportunidade. De repente algum evento, por ai ou por aqui...
    []s,
    Carlão

    ReplyDelete
  8. Carlão,
    Parabéns pelo blog! Gostei muito do estilo despojado, mas com as palavras muito bem escolhidas. Coisa de quem realmente sabe escrever. Vou passar por aqui com frequência.
    Sobre os nacionais, sempre que vou a Porto Alegre, passo na loja www.vinhosesabores.com.br . Veja que eles ainda têm o Don Laurindo Assemblage Reserva 2005 por menos de R$ 50,00. Arriscarei uma no fim deste mês, na minha próxima visita. Se for comprar, deixe uma pra mim, ok? rs
    Abs.

    ReplyDelete
  9. Vitor, obrigado pela atenção e pelo incentivo. Se puder, prove um Don Laurindo, é um belo exemplo de vinho nacional.
    []s, e espero que você divirta-se tanto quanto eu.
    Carlão

    ReplyDelete